segunda-feira, 30 de junho de 2008

Influenza

Influenza


Para quem se lembra, o milénio começou com a anunciação de uma catástrofe. Virtual, é certo, mas catástrofe à mesma. Um vírus informático ameaçava propagar-se de tal modo, que todos os sistemas de apoio à vida – dos transportes aos fluxos cambiais de Wall Street –, entrariam em colapso absoluto. No entanto, o único acontecimento registável, na passagem do ano, foi o falhanço no lançamento do fogo-de-artifício, no Porto. De qualquer maneira, a transição para o ano 2000 daria o tom para a meia dúzia de anos já percorridos. De ameaça em ameaça, vivemos em constante estado de alerta.
No rol das ameaças globais, conta-se a ansiedade, por causa das armas de destruição maciça do ex-ditador de Bagdad e a mitose celular da Al-Qaeda. A estes perigos, há que juntar o H5N1, a gripe, de aves que subversivamente não conhecem Shengen, nem tão pouco se deixam intimidar com muros de salvaguarda da paz ou de boa vizinhança.
Em termos domésticos, tivemos também os nossos sobressaltos. Desde o «apagão», provocado, se bem me lembro, por uma cegonha (uma ave, pois claro!), até ao «arrastão» de Carcavelos. Mas nenhum daqueles apocalipses se compara, na capacidade de mobilização que provocou no país – da administração pública à mais singela colectividade de um povoado continental ou insular –, ao «deficit» das contas públicas. De maneira que, nos dias que correm, não nos sobra inquietação, nem temor.
O futuro era dantes o lugar onde todos os sonhos eram possíveis. O progresso tecnológico e o evolutivo melhoramento das condições de vida prometiam, se não «amanhãs que cantam», pelo menos a contenção da doença, da miséria e da ignorância. No avanço da Ciência depositaram-se todas as esperanças. E, pelo menos ela, tem dado bem conta do recado. Para as sociedades pós-industriais, o medo deixou de ter objecto imediato a que se reportar. A fome, as doenças infecciosas, a mortalidade infantil e a ignorância supersticiosa, deram lugar à abundância, ao controle higiénico-sanitário e à educação como direito universal. Entretanto, os perigos diferiram-se no tempo. A mesma Ciência que educa para o optimismo, avisa-nos agora que, daqui para diante, se os procedimentos individuais e colectivos não sofrerem uma transformação radical, todos os perigos são esperáveis.
As catástrofes – tecnológicas, demográficas e ecológicas – são antecipadamente anunciadas, com um profissionalismo mediático-tecnológico incomparavelmente mais sofisticado que a parafernália multimédia da astrologia que as televisões nos trazem. Mesmo o boletim meteorológico, que era relegado para fora do espaço noticioso (não era notícia, portanto), merece agora honras de abertura dos telejornais. Não é que a previsão geofísica tenha desaparecido como programa. O boletim meteorológico continua com o seu espaço próprio e prudentemente científico. Mas agora é bem outra coisa. Os 10 ou 15 minutos de conjecturas geofísicas para o dia de amanhã, ou para daqui a 15 dias, que os telejornais integram, inserem-se na mesma lógica de prenúncio de desgraça. A catástrofe perdeu a sua natureza imprevista e humanamente trágica. Agora, aguardamo-la ansiosamente, com os olhos colados à televisão, ou numa sala de cinema perto de nós. Para glosar um spot publicitário que pegou de estaca: o futuro já não é o que era.
De tudo isto, o discurso político soube tirar as devidas lições. Se nada for feito, a Segurança Social, no prazo de 10, talvez 20, na melhor das hipóteses, 25 anos, entrará em bancarrota. A viabilidade do Estado e, por metonímia, a viabilidade do país, está seriamente ameaçada, se as contas públicas não forem controladas e se o trabalho não for racionalizado, isto é, contido nos seus custos.
São conhecidas as consequências da influenza. Nas pandemias e no inflar nos espíritos da fluência climatórica (e do seu contraponto: a nefasta interferência humana no clima), anuncia-se a libertação dos demónios, que o Inferno reúne em si. À letra: um pandemónio. A amplificação do terror pede argumentos à altura: ad terrorem. Isto é: dado um caso, seguir-se-á, inevitavelmente, consequências de tal modo terríficas, que todo o pensamento fica tolhido. A demissão crítica funciona, em primeiro lugar, sobre a ausência de averiguação objectiva e rigorosa da existência do «caso». Se a incontinência do deficit ameaça a sobrevivência do Estado Social e põe em risco a viabilidade do país, para que o deficit seja anulado, o Estado tem que se livrar das suas funções sociais. Ora, o salto argumentativo, a ser efectivamente transposto para a realidade, comporta riscos de convulsão social.
Na fidelidade aos princípios pragmáticos (que «desideologicamente» suportam tal intenção), prediz-se, desde já, que a Diplomacia, as Polícias, as Forças Armadas e a Justiça continuarão dentro das funções do Estado. Que o mesmo é dizer: na política externa, a manutenção dos «fins humanitários»; na política doméstica, a manutenção da ordem pública.
Para grandes males, grandes remédios.

in «Crónicas», Incomunidade Edições, Lisboa, 2008, p. 41 e sgs.

domingo, 15 de junho de 2008

da catástrofe e da paralisia

Há uns anos esteve em moda, lá para os lados de hollywood, um género de filme que se convencionou chamar de «filme-catástrofe». O enredo era simples mas eficaz: uma ameaça, cataclísmica, obrigava o «guest star» a inomináveis peripécias para salvar o mundo. No fim do mundo, o artista salvava-se e, com ele, a sua família mais próxima, mulher e filhos, um apenas ou, quando muito, um casal. A sociedade redimia-se e a ordem, reestabelecida, assegurava o normal curso das coisas, ou seja, ficava quase tudo na mesma. O «quase» significa apenas que perante a constante iminência da catástrofe o melhor é aceitarmos o que temos e, se preciso for, abdicaremos mesmo do que levou séculos a conquistar. O «11 de Setembro» e o que se lhe seguiu é, a este respeito, paradigmático.
Não sei se a influência destes filmes passou para o inconsciente individual e colectivo mas, o que é certo, é que o séc. xxi está a levar o paroxismo catastrófico aos limites. Desde a gripe das aves ao aquecimento global, passando pela pseudo escassez do petróleo até à também pseudo escassez da produção alimentar, não há dia em que a espécie humana não viva à beira da extinção. Dir-se-á que estas crises têm algum fundo de verdade. Pode ser, mas a maneira como mediaticamente elas se sucedem leva-me a acreditar que a verdade deve estar mesmo no fundo.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Nova Economia da Fome



Na Somália, o preço da farinha de trigo triplicou em 2007...
Na Costa do Marfim, em Março de 2008, o preço do arroz era mais do dobro do que em 2007...
No Haiti, os preços dos produtos alimentares subiram 100%...
Os "Stocks" nunca foram tão baixos desde 1975...
A fome já atinge 862 milhões de pessoas, segundo a revista francesa POLITIS...

" ... para os MIL MILHÕES que vivem com menos de UM dolar [0,64 euros], trata-te de uma questão de sobrevivencia.
... No Japão, que tem uma clara aversão cultural aos cereais geneticamente modificados, mais baratos, os industriais do sector alimentar correm o risco de enfrentar as criticas do público, importando pela primeira vez cereais deste tipo para os utilizar em alimentos transformados."

in Courrier Internacional Junho 2008
Transgénicos ...serão a solução?

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Factores de Sucesso

É já conhecida a excelente vitória que a escola alcançou no concurso Rock in Rio Escola Solar. O projecto de aproveitamento da energia geotérmica das Furnas para o aquecimento de uma Instituição Particular de Solidariedade Social foi reconhecido como um dos três melhores de entre as vinte escolas consideradas vencedoras.
Todos os intervenientes demonstraram capacidade para explicar o projecto nas suas mais variadas vertentes, o que demonstra a sua natureza colaborativa e o nível de empenho que lhe dedicaram.
Mas como se conseguiu atingir um nível tão elevado de qualidade que mereceu a distinção de entre tantos outros projectos? O que está por trás do sucesso deste trabalho? Qual é o segredo? Esta foi a questão que se colocou a toda a equipa e que suscitou alguma reflexão individual e colectiva, até porque, a resposta, não pareceu ser fácil nem objectiva. Talvez porque o segredo esteja de alguma forma escondido, mascarado de outra coisa, ou até mesmo porque não exista de todo. O resultado foi este:

Joana Trigo - O Segredo deste sucesso foi sem dúvida a escolha de um tema aliciante inovador e único na região. O empenho, a persistência em ultrapassar todos os obstáculos a vontade em vencer a força de acreditar e uma professora sempre disponível, e com grandes influências fizeram o resto.

Ângela Rego – O Sucesso foi alcançado com muito trabalho e esforço. O bom senso, a união e a força de vontade foram determinantes. A ajuda da professora Ilda foi essencial para o sucesso do projecto.

João Barbosa – Bom senso. O que obviamente implica perspicácia, capacidade de tomar as decisões certas na hora certa. Bom senso não implica obrigatoriamente inteligência, implica ter a capacidade de, simultaneamente, conseguir visualizar algo que seja alcançável, mas o mais inovador possível, implica ponderar e questionar tudo o que se faz.

Tiago Silva – Para ter sucesso é necessário esforço, trabalho, dedicação e espírito de vencedor, pensamento positivo. Os meus colegas foram determinantes e principalmente a professora, pois esteve sempre no nosso lado a incentivar todo o grupo.

Professora Ilda Braz – Escolha de um tema que motive todos os intervenientes. Os alunos devem ter garra, empenhamento, perseverança e disponibilidade para a investigação e muita vontade de vencer. Tentei criar empatia com os alunos e dar o máximo da minha disponibilidade. Responder-lhes a todas as questões, desenvolver com eles hábitos de trabalho não convencionais. A capacidade para ultrapassar situações imprevistas e tentar sempre ir mais além do que parece possível à primeira vista, é outra das capacidades importantes para atingir o sucesso. A colaboração dos órgãos de gestão e a experiência do professor são também condições importantes.

Em jeito de conclusão, podemos afirmar que sem trabalho, empenho e dedicação não há sucesso, mas isso, provavelmente, já todos sabíamos! Algo mais aconteceu que combinado com estes ingredientes principais catapultou a actividade para o estrelato. Terá sido a ambição do projecto e a crença da sua exequibilidade apesar da sua dimensão? Terá sido o bom funcionamento da equipa e a sua liderança? Terá sido a motivação de que todos falam e o consequente empenho que elevou a fasquia da qualidade.
Uma coisa é certa! O sucesso está aqui. As doses com que combinamos os ingredientes são desconhecidas e talvez seja esse o segredo da receita, ainda por descobrir. Uma coisa eu não acredito. Não houve nem um bocadinho de sorte neste projecto, como me fez crer a professora Ilda Braz.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

das portas da cidade e do cais das colunas



Imaginem as Portas da Cidade, alí na Matriz. Imaginem que por causa de obras de construção civil, necessárias sem dúvida, retiravam as Portas da Cidade e, pedra por pedra, as guardavam num armazém sob promessa de que feitas as obras elas voltariam ao sítio. Obras feitas, nem Portas da Cidade nem notícia das pedras que a formavam. À Matriz e a Ponta Delgada ficariam a faltar alguma coisa, não acham?
Pois é exactamente isso o que aconteceu ao Cais das Colunas em Lisboa.
Corre uma petição, http://www.petitiononline.com/CColunas/petition.html, para repor o Cais das Colunas. É que, indo qualquer um de nós a Lisboa, sempre poderíamos admirar o Tejo sentados nas suas escadas de pedra e deixar que o embalo das águas nos fizesse esquecer o livro que, bem intencionados, leváramos para ler.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

há mais vida para lá da tecnologia

Talvez porque se tenha instalado na sociedade portuguesa uma modorra perante o discurso da inevitabilidade ou porque é do cansaço que advém a percepção de que o futuro, para além de incerto (como é da sua natureza) se nos apresenta pobre nas suas possibilidades, acontece a necessidade de uma espécie de regresso a momentos originais. Buscar forças animosas ou recuperar ideias que a História não actualizou mas que potencialmente podem originar novas visões do mundo e redifinições sobre o lugar de Portugal na lusofonia e no mundo são, entre outros, os objectivos de um movimento que há uns tempos andava germinando. Entre Teixeira de Pascoaes e Agostindo da Silva, mais os muitos que se poderiam colocar entre, o projecto da Nova Águia parece ter húmus em que se pode sustentar. Neste blogue cabe, se os meus companheiros a isso não objectam, dar notícia do que não se esgota na notícia. No «MIL», Movimento Internacional Lusófono, deparamo-nos pois com o que de melhor a saudade de Vieira e de Pascoaes possuia (http://novaaguia.blogspot.com/). Não a nostalgia do que foi, antes a investidura criativa do que há-de ser. Não a passividade de milenarismos sebásticos, antes a cívica participação num mundo a haver. Não a clausura encomiástica do que «é nosso», antes a celebração da universalidade de um destino comum. Como podemos ler no manifesto da revista (http://www.agostinhodasilva.pt/images/docs/manifesto_nova%20aguia.pdf):
«Recriar uma revista e um movimento de transformação das mentalidades e das vidas - A revista Nova Águia pretende recriar no presente o espírito da revista A Águia, órgão do movimento da Renascença Portuguesa, enquanto aglutinador de algumas das mais notáveis figuras da nossa cultura e impulsionador de um fecundo debate de ideias de que resultaram, pela própria divergência, alguns dos mais importantes movimentos culturais do século XX em Portugal, como os que se expressaram nas revistas Orpheu e Seara Nova. A Nova Águia pretende continuar e recriar, adaptado à contemporaneidade, o melhor desses e de outros movimentos, contribuindo para uma transformação profunda das mentalidades e das vidas.»
Valete, Fratres!